5 de agosto de 2011

Do sertão baiano para o Brasil: Contos e Fábulas do Brasil


 É tanta coisa para colocar em dia. Tantos pontos a ligar os meus retalhos literários, transformando-os em belas colchas...Como no mês de agosto, costuma-se voltar o olhar para as produções populares devido as comemorações em torno do Folclore (qunatas lembranças trago deste tempo na vivência escolar. Hoje reconheço que poderia ter sido mais rico o conteúdo trabalhado: bastaria um olhar sobre as riquezas locais. Mas enfim...bola p'ra frente!) apresento mais uma produção do Marco Haurélio, autor de vários folhetos de cordel, livros intantis, livros como este que segue abaixo qe nos trazem um pco das histórias que permeiam a cultura literária popular. Aqui uma fusão de conto popular com romance. A informante é D. Maria Rosa Fróes, de quem Marco Haurélio recolheu muitas histórias. 
Esspero que se deliciem...



O homem que foi para a guerra

  No tempo dos cativos, vivia um homem muito rico, casado com uma mulher virtuosa, como igual não podia haver. O casal tinha uma única filha com idade de dois anos. Um dia, ele foi convocado para lutar numa guerra. A mulher implorou para ele não ir, pois sabia-se quando as guerras começavam, mas não quando acabavam. Não houve jeito. Antes de partir, ele pegou dois anéis de ouro de sete pedras cada um, e disse à esposa:
  — Guarde bem esse anel — e pôs o seu no dedo.
  Chegando ao local da guerra, ele foi trabalhar a favor do seu rei. Os anos se passaram. Todo dia, a mulher ia até o porto, sempre acompanhada dos criados e da filha, para ver os navios que partiam e chegavam de outros países. Sua esperança era que o marido estivesse num desses navios. Mas qual!
  — Ah, seu pai não veio — dizia, decepcionada, mas esperançosa.
  Quando a menina fez dezoito anos, a mãe convidou:
  — Chegou outro navio. Vamos ver se seu pai está nele.
  Quando os marinheiros desceram, ela viu um homem que a encarava, e resolveu perguntar a ele:
  — Bom-dia! O senhor dá notícia de Dezoitozinho? — esse era o nome do homem.
  — Dou. Ele foi para a guerra.
  — Disso eu sei! E como ele vai passando por lá?
  — A última vez que o vi, ele tinha dezoito sinais. O mais pequititinho era de pescoço cortado!
  — Então morreu! — disse a mulher.
  — Quando eu vi, não tinha morrido ainda! Onde a senhora mora?
  — Aqui perto. Por quanto o senhor traz ele aqui?
  — Eu não sei.
  — Se o senhor o trouxer, terá prata e terá ouro que nem poderá contar.
  — Eu não quero sua prata nem seu ouro, que tudo pertence a mim.
  — Eu lhe dou um capital se trouxer ele aqui.
  — Não quero sua prata, nem quero seu ouro. Quero seu corpinho jocoso para comigo dormir.
  Ela, aí, ficou brava e ordenou:

  — Vão, meus criados, com corda de piaçava, peguem dois cavalos brabos e amarrem esse atrevido! E ao redor de minha casa rodem com ele assim.
 
— Afastem pra lá, criados,
  que tudo pertence a mim. 
  Senhora, se não se lembra
  quando daqui eu saí,
  dos anéis de sete pedras
  que eu contigo parti?

  Ela, então, perguntou:

  — Se tu eras meu marido,
  por que me fizeste assim?

  — Fiz para experimentar
  se tu eras firme a mim.
  Apanha teu anel lá,
  que o meu está aqui.

  A mulher reconheceu o marido e ele abraçou a filha que deixara ainda criança. E os três foram viver felizes.

In: Contos e fábulas do Brasil, págs. 189-190.

Maria Rosa Fróes, Brumado, Bahia
Nota:  Ecos da  Odisseia permeiam os versos finais de  Dona Infanta (também conhecido como Bela Infanta), romance velho que aparece neste florilégio sob o título O homem que foi para a guerra, em versão prosificada. É vasta a bibliografia portuguesa documentada por Câmara Cascudo em suas anotações aos Cantos populares do Brasil, de Silvio Romero. Almeida Garret, que coligiu o romance, atribui a sua origem às guerras das Cruzadas, por conta das expressões “terra sagrada”, “na ponta de sua lança/ a cruz de Cristo levava” etc.
  As senhas ardilosas do marido, testando a fidelidade da esposa, no entanto, parecem remeter mesmo aos tempos homéricos, e demonstram cabalmente tratarem-se os personagens de avatares de Ulisses e Penélope.

Este texto e imagem foram retirados do blog Contos e fábulas do Brasil com a devida autorização do autor. 

Contos populares do sertão e do mundo

No Brasil, não são muitas as coletâneas de contos populares, apesar da alardeada riqueza da nossa cultura popular e do empenho de estudiosos, como Sílvio Romero, Câmara Cascudo e Lindolfo Gomes. A publicação de Contos e fábulas do Brasil, pela editora Nova Alexandria, se reveste, por isso, de grande importância. Coligidos por Marco Haurélio, estes contos da tradição oral brasileira estão agora imortalizados em um livro que conta, também, com belíssimas ilustrações do artista plástico paraibano Severino Ramos.
A coletânea traz contos de animais, histórias de encantamento, religiosas e acumulativas. Há, ainda, notas esclarecedoras, assinadas pelo renomado pesquisador português, Paulo Correia, da Universidade do Algarve, mostrando o percurso das histórias, o número de versões existentes nos países de língua portuguesa e os similares de outros países.
Marco Haurélio, também, na abertura de cada seção, amparado em ampla pesquisa, num trabalho que dosa rigor e criatividade, aponta variantes das histórias colhidas por ele em outras coletâneas e até o reaproveitamento de muitas delas na literatura de cordel. Os leitores da obra dos Irmãos Grimm identificarão em Maria Borralheira a versão brasileira de Cinderela. E reconhecerão em O príncipe Teiú elementos da clássica história A bela e a fera e do conto mítico Eros e Psiquê, que integra O asno de ouro, escrito por Apuleio no século II d.C.
Segundo a professora Isabel Cardigos, referência mundial no estudo do conto popular, Contos e fábulas do Brasil, é “um livro fadado para ter a maior sorte: entre os adultos e entre aquelas crianças felizes a quem os adultos vão saber recontar estas histórias para que, com a ajuda da escrita, continue a correr a antiquíssima magia dos contos de tradição oral.”

Sobre o autor: Marco Haurélio, baiano de Riacho de Santana, é escritor, editor e pesquisador da cultura popular brasileira. No campo do folclore, além desteContos e fábulas do Brasil, escreveu Contos folclóricos brasileiros (Paulus). Para a coleção Clássicos em Cordel, da Nova Alexandria, adaptou A megera domada, de William Shakespeare, e O Conde de Monte Cristo, este um dos vencedores do Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel – edição 2010.
Contos e fábulas do Brasil — Marco Haurélio
Ilustrações de Severino Ramos
ISBN 978-85-7492-265-2
16X23 cm — 216 págs.
Preço: R$ 38,00


Mais informações:
Janaína Gomes
2215-6252

Juliana Messias
2215-6252

Blog do livro:

Um comentário:

marcohaurelio disse...

Oi, Paula.
É sempre bom ver a divulgação que você faz, o que comprova seu envolvimento com a literatura sem muros e sem fronteiras.
Igualmente bom é ver D. Maria Rosa Fróes, hoje com 94 anos, nesta foto que parece ter sido feita para o seu blog.
Beijos!